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19 de dez. de 2014

Cinco coisas que os (velhos) jogos de videogames me ensinaram para a vida adulta

Fato: seja numa mesa de bar, na casa de alguém ou perambulando na rua, basta alguém comentar de algum jogo antigo que uma enxurrada de opiniões começam a pipocar de todos os lados. E foi pensando nisso, já que sempre presencio este tipo de assunto, que me veio em mente de escrever como eu acho que os jogos das gerações antigas foram muito mais benéficos para mim que os atuais - sem qualquer tipo de menosprezo, claro, até porque, muita coisa de hoje eu não joguei.

1. Aprender a se virar sem instruções de qualquer tipo

Pegue a maioria dos jogos de SNES, Mega Drive, Master System ou PSX: quais deles tinham algum tipo de tutorial lhe explicando alguma coisa, qualquer coisa, desde os comandos mais básicos aos mais complexos?

Certo, certo. Há sim alguns jogos que lhe oferecem algum tipo de instrução elementar, mas na maioria das vezes, bastava colocar o jogo no videogame, esperar carregar, apertar Start e mandar ver; mesmo aqueles que tinham algum meio de ensiná-lo a jogar também não era necessariamente simples. Em poucos minutos, você já se via em meio a tiroteios frenéticos ou aventuras cabulosas e terrivelmente difíceis.

Era uma época que sem Internet, ou você conseguia ajuda com alguém que já passou por aquela parte do jogo que você está agarrado ou conseguia uma revista lhe descrevendo passo-a-passo o que fazer (os famosos detonados). Ou seja: você se virava.

E sem discussão.

O vídeo abaixo é um dos meus preferidos. É grandinho, mas mostra exatamente o ponto da coisa usando a série Mega Man como exemplo:


Quantas vezes você já zerou um jogo e descobriu só mais tarde que havia um comando ou habilidade que, se soubesse na época, facilitaria (e muito) sua jornada? Assim também não funciona rotineiramente no trabalho, no social, na família, no ato de aproveitar oportunidades que surgem do nada?

E foi assim que aprendi a levar a mecânica gamer old school para minha vida adulta: as pessoas vivem te ensinando as coisas - muitas vezes de forma errada - e você só de fato aprenderá o que e como fazer na prática, no calor do momento. Não é culpa delas (sempre), mas não necessariamente o que elas fizeram que deu certo também dará para mim. Sem muita conversinha: ou aprende e se adapta ao contexto ou fica para trás, o que nos leva ao ponto de que...

2. Tudo é uma dificuldade constante

Muitos jogos antigos não tinham sequer opção de escolher alguma dificuldade. Às vezes, no máximo, você ia nas opções do jogo e aumentava suas vidas por lá e só, o que nunca garantia necessariamente que você sequer chegaria ao final: quem jogou R-Type ou Darius, aqueles joguinhos de nave de scroll lareral sabe bem o que estou dizendo.

Darius Twin: joguinho porreta de difícil já na primeira fase

Não que os jogos atuais sejam fáceis, mas naquela época, até por limitação técnica, muitos segredos e a própria habilidade do jogador influenciavam em muito para que ele chegasse ao fim de um game. Era preciso reflexos rápidos, atenção e muita perspicácia para perceber aqueles píxels levemente de cor diferentes ali estão indicando uma parede oculta. Pegue Mega Man 1 e 2 de NES (quando ele nem carregava o tiro) ou Crash Bandicoot de PSX (para conseguir todas as gemas) por exemplo.

Contra III: como descabelar um jogador de tanta raiva

Sem save states de emulador, no máximo alguns continues. E a tela de Game Over era muito, muito frequente de se ver.

Não muito diferente, se for pensar, do meu dia a dia. Claro que eu sempre tento arrumar um jeito de fazer as coisas da forma mais simples possível, mas como quase nada depende da gente, não adianta "xingar os controles ruins": ou você se vira com aquilo que tem, ou pode desistir para que outro jogador entre no seu lugar.

É aquele caso: apesar de tudo ir contra, não vou saber como o jogo termina se não continuar, mesmo aos poucos, avançando pelas fases. E assim funciona na vida em si.

Mas a dificuldade de tudo é agravada ainda mais porque, no meu trabalho rotineiramente os...

3. Recursos são escassos

Até hoje eu tenho a mania de enquanto estar jogando alguma coisa, economizar o máximo de recursos possíveis, mão-de-vaca mesmo. Aprender a gerenciar e tomar decisões dentro de um cenário de jogo é muito importante, tanto para poder evitar um problema quanto para sanar os danos dele caso irremediavelmente ele aconteça. Pegue Sim City, com as catástrofes que acontecerão em sua cidade lindamente construída e você tem exatamente o quanto é importante se preparar para momentos de necessidade.

Não é a toa que os gamers são geralmente bem sucedidos por conta de suas habilidades dentro de um cenário empreendedor.

Quem jogou os jogos mais antigos da série Resident Evil ou Silent Hill sabe como é importante saber carregar itens certos na hora certa.


Starcraft, Warcraft, Age of Empires, Command & Conquer... Jogos de estratégia militar que também utilizam gerência de recursos e rápida ação do jogador antes que seja dominado pelo exército rival. Top Gear eu sempre pegava o carro branco porque ele consumia menos, e ainda me lembro das melhores pistas que ele não precisa parar para abastecer.

Saber gerenciar alguma coisa - talento de pessoas ou suprimentos de qualquer tipo - é imprescindível na vida de qualquer pessoa que tem fontes de recurso restritas. Em geral, meus amigos e eu não ganhamos relativamente bem para nos sustentar e depender minimamente possível de nossos pais, mas ainda assim temos que pensar duas vezes antes de gastar a mais em um determinado mês para não sobrecarregar os outros. No trabalho, no meu especificamente, normalmente as ideias que os clientes tem para criação de materiais gráficos não casam com orçamento que eles dispõem. Há quem trabalhe com muitas pessoas, que precisa ainda organizar os respectivos talentos e egos para que a equipe dê resultado. Tudo que, por fim, está ligado a atitude de...

4. Valorizar relações

Pegue os excelentes RPG's antigos: Final Fantasy (até o X de PS2), Dragon Quest, Chrono Trigger/Cross, Legend of Dragoon, Terranigma, Grandia... Se puder jogar algum deles, perceba a interação que existe entre os personagens.

Pegue meu preferido, Final Fantasy III (o VI no Japão). Veja os objetos de cada personagem, a relação de amizade e amor, a importância da família e dos amigos em momentos de crise, e você terá, mesmo dentro daqueles pixels simples, um valor pelo humano tão grande que você se sentirá falta daquilo no seu dia a dia. Quem não jogou ainda sugiro jogar e descobrir a missão de Locke, a relação de Shadow, Relm e Stragos, a decisão de Sabin em abrir mão de ser príncipe enquanto seu irmão Edgar teve que assumir o trono, a cena triste da tomada do castelo do cavaleiro Cyan...

Celes na cena da Opera House. Veja a cena completa aqui

São jogos que muito além de serem simplesmente jogos, mostrava relações crescentes do decorrer do jogo - assim como as nossas, na vida real, com as pessoas que conhecemos e depois nos tornamos amigos. Todo um curso em prol de um bem maior somente é necessário quando todos abraçam a causa, já que...

5. Quando bem feitas, ideias se tornam inspirações para outras que surgirão posteriormente

Se você acha que jogos antigos são sinônimos de coisas ultrapassadas, basta olhar essa lista aqui, aqui ou aqui e ver a quantidade de jogos da velha guarda existem nelas. Claro que listas são muito parciais, mas as coincidências

Coisas bem feitas duram. Tem valor, são respeitadas e tem seu lugar garantido dentro do seu contexto.

Nos videogames não poderia ser diferente, claro. Perceba que até hoje, mesmo com tanta evolução gráfica, boa parte dos times de programadores tem sua inspiração baseada em pérolas de dez, vinte anos atrás.

Pense rápido: você é capaz de dizer ou o nome do personagem ou do jogo que ele participa?

Selecione o texto entre as aspas para saber quem é este personagem: "Nathan Drake, da série Uncharted"

Mas certamente, mesmo que você não seja um gamer, quase saberá o nome deste aqui:

Selecione o texto entre as aspas para saber quem é este personagem: "Ryu, de Street Fighter"

Bônus: o poder da interação social

Só como adendo, ao contrário dos jogos de hoje, antigamente era necessário que dois ou mais jogadores estivem ali, ao vivo e a cores, para jogarem juntos. A zoação, diversão e a o valor disso naturalmente é uma coisa que Internet alguma pode oferecer.

Até hoje, meus amigos, minha namorada e eu nos encontramos para jogar alguma coisa - e quase sempre, acabamos por estar jogando alguma coisa antiga, mesmo com nossos poderosos consoles de última geração.

Os melhores jogos de XBOX por exemplo são aqueles que usam o Kinetic, e mesmo assim, grande parte deles só quando se tem alguém para jogar junto.

E em um mercado competitivo como hoje, saber respeitar diferenças mas também ter habilidade em interagir ao


***
Games não são simplesmente entretenimento eletrônico - não somente na essência. São poderosas formas de desenvolvimento para crianças e adolescentes e até salvam vidas (aqui, aqui ou aqui). E eu sou muito feliz por ter tido a oportunidade de pegar essa geração antiga e entender que hoje, ter muita coisa que eu tenho, foi graças aos videogames lá da minha adolescência que auxiliaram este processo.

E vamos jogar, galera!

12 de dez. de 2014

Os coxinhas que não sabem ser coxinhas

Eu já estava com um texto quase pronto sobre o PirateBay para postar, mas meu amigo que se mudou para São Paulo recentemente me mandou esse pequeno documentário que ele fez das manifestações contra o PT lá, no último dia 6.

Mas em vez de escrever qualquer coisa, deixo aqui o vídeo, que fala por si só. Menos de cinco minutinhos.

Assista atentamente:



Destaco:
  • Não temos nenhum partido de direita no Brasil, todos são de esquerda;
  • Este movimento é espontâneo e apartidário [segue imagem do Serra];
  • FHC é mais comunista que o Lula [?].
Acho que nem preciso comentar sobre, confere?

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Apenas para facilitar a consulta sobre alguns termos:
***
Independente de qualquer coisa, friso minha posição quase que apolítica não por querer em ficar em cima da do muro, mas porque na verdade enxergo a maracutaia de partidos brasileiros que no fim, são tudo farinha do mesmo saco - que nação precisa de mais de trinta partidos políticos, minha gente?. Mas isso também fica para outro post.

E não deixem de inscrever no canal do meu bróder!

5 de dez. de 2014

No lixo

Jonas certamente estava na pior. De todas as brigas que se metera, esta sem dúvida foi a mais grave. Largado na sarjeta perto da sua casa, sentia as costelas doendo e tinha um grave corte na testa, que sangrava até o olho esquerdo lhe tirando toda a visão deste lado.  Tentou por duas ou três vezes se apoiar nas paredes imundas para ficar de pé, e quando finalmente conseguiu, sentiu dores na sua genitália. Não queria se lembrar do que aconteceu, embora invariavelmente recordasse cada frame.

Uma das últimas coisas que ainda poderia chamar de sua - seu próprio corpo -, já não lhe pertencia mais.

Tinha vontade de chorar e não podia. Quem ia acreditar na sua versão? Bem, um ou outro amigo ia dizer para que tomasse uma providência ou procurasse a polícia, mas no fim das contas, terminaria tudo do mesmo jeito. E pior: ao chegar em casa apanharia de novo, ou na melhor das hipóteses, sofreria uma agressão surpresa quando fosse trabalhar ou estudar, quando achasse que já estava se esquecendo de tudo que passara e as coisas voltando aos eixos.

O rapaz tinha medo de tomar uma decisão sobre o que fazer. Na verdade, ele nem se lembra de quando foi a última vez que pudera tomar uma por si só: era sempre julgado, sempre qualificado moralmente pelos mais fúteis motivos. O relacionamento em que estava no momento foi o pior deles nesse ponto, porque não fazia nada, nada mesmo, sem o consentimento do outro lado.

A violência sempre fora uma constante em sua vida. Quando pequeno, era obrigado a se portar de acordo com o que queriam, e cresceu com várias dúvidas sobre si mesmo, sem que tivesse confiança sequer em procurar saná-las. Foi na internet que conseguiu algumas respostas, mas já era meio tarde: viu que amigos e colegas se portavam diferente do jeito dele e às vezes eram até mais livres, embora sofressem também uma carga de repreensão explícita e eram vistos como escandalosos pelas outras pessoas.

Jonas às vezes até tenta lutar contra isso tudo, mas nada dura mais que alguns dias. Até porque tudo que ele sofre não é só dentro de casa: é normalmente menosprezado no trabalho, no trânsito e até quando precisa pegar um metrô ou um ônibus.

As pessoas pensam que violência é dar um tapa na cara, um tiro, assaltar, sei lá. Mas no fim das contas, violência é você deixar de ser si mesmo, certo? Ou então, deixar de contar para aquele carinha que ele lhe deu troco a mais, ou furar uma fila, ou ainda ficar com um produto que chegou em sua casa por engano...

Mas fazer o quê, era um trapo humano, com o orgulho em frangalhos e a humilhação marcada na pele. O resto é resto: é se arrastar até em casa e torcer para que amanhã as dores estejam menos latejantes para poder ir trabalhar amanhã.

A vontade de chorar ainda não passara.


- Demorou, Jonas - ouve-se o som de uma lata de cerveja sendo aberta.

O som da TV quebra o silêncio do local.

- Desculpa meu bem, estive...estive m-me recompondo.
- Será que não foi encontrar alguma colega sua?
- C-claro que não... Você está com meu celular inclusive...
- E quem garante que você não pode fazer nada sem celular?
- M-mas eu juro, não fiz nada... E-estava onde você me... Me deixou agora a pouco.
- Você está horrível. Vá lavar essa cara e se arrumar.
- T-tá bom.
- Você é meu namorado, e deve se portar como tal. O que os outros vão pensar de você se ficarem vendo conversando com outra mulher à noite por aí?
- N-não vão gostar...
- Certamente, e eu menos. Meu bem... Você sabe que eu te amo e me preocupo com você... Às vezes passo dos limites, admito... Mas é para o seu bem.
- Sim, eu sei...
- Pois é. Desculpa por ter agido assim... E ter lhe acertado tão forte.
- T-tudo bem.

O rapaz sobe e vai até o quarto, de olhos marejados. Olhando-se no espelho do banheiro, ele vê seus machucados e entende que é fadado a viver assim. Se sente um lixo total, mas alguma coisa lhe faz ir pra frente. Talvez, Deus...

- É a mulher que eu amo... Eu acho. E como ela mesmo disse, se eu largá-la não vou encontrar mais ninguém...


***
Achou um pouco estranho esse texto? Veja só: de acordo com um estudo que saiu essa semana, 68% dos jovens brasileiros de idade entre 16 e 24 anos acreditam que mulheres não deveriam ir para a cama no primeiro encontro, 76% criticam o fato delas terem vários ficantes, 48% acham errado dela sair sem a companhia do namorado ou ficante, sem contar a grande parcela delas que tiveram de desfazer amizade ou tiveram sua privacidade violada por conta de um namorado ou ficante.

Ou seja: a pesquisa mostra que o jovem brasileiro reconhece que o machismo existe, mas ele pouco ou nada faz para combatê-lo. E pior, se acha no direito de tomar para si a liberdade do outro, mais especificamente, da mulher. Ciúmes? Antes fosse...

E ainda tive que acompanhar nesses dias,
Em pleno 2015.

Não, não sou um militante feminista, nunca fui. Na verdade, na minha opinião, a grande maioria dos movimentos feministas hoje estão completamente descaracterizados, lutando por coisas que mais parecem com caprichos pessoais do que de fato uma busca pela igualdade de gênero e gerando coitadismo. São necessários? Claro, mas gerar incômodo colocando crucifixos na vagina e quebrando imagens sacras por exemplo não ajudam em nada a validar a integridade da causa. Mas isso é assunto para outro post.

Mas sou militante do respeito independente de gênero, orientação sexual ou qualquer coisa que preze a liberdade do outro. Milito pelo direito da minha mãe, minha irmã, minha namorada, minhas amigas, enfim, das meninas e mulheres poderem andar na rua sem terem que temer se serão atacadas verbal ou fisicamente, sem serem julgadas por um short ou vestido ("mas você está pedindo!") ou mal faladas simplesmente por terem gostos diferenciados da maioria.

E não escrevo isso tudo direcionando a homens: também quero que as próprias mulheres que ao mesmo tempo são vítimas e algozes dessas afirmações infelizes, dentre muitas outras, entendam que possam ser livres de dogmas e passem a ser capazes de agir do jeito que melhor lhes convier.

Não adianta descobrirmos a cura da AIDS se a gente julga nossa vizinha solteira porque ela gosta de sair e ficar com vários caras, enquanto quando um homem faz o mesmo ninguém não está nem aí. Também faz pouca diferença irmos ao espaço se a roupa que alguém usa continua definindo o que ela é - mesmo sem conhecer sua usuária. O problema mundial com as drogas me parece peixe pequeno quando uma mulher desperta ojeriza simplesmente por ter uma vida sexual livre.

Tem horas, que sinceramente, acho que a doença do mundo realmente somos nós mesmos.

29 de nov. de 2014

Obrigado, Bolaños!

Eu até ia escrever outra coisa, mas não teve jeito: Chespirito tem o seu lugar. Pode parecer um trocadilho nefasto, mas a realidade é que hoje, 28/11/2014, será marcada para sempre como uma Black Friday triste.

Isso isso isso isso!

Há quase uma semana estava meus amigos e eu conversando sobre coisas da nossa infância. Programas, desenhos, games, tudo aquilo que na época marcou a gente de alguma forma que até hoje tem um lugar especial ali no cantinho da nossa maturidade, da juventude que tivemos que abrir mão para trabalhar, ter nosso dinheiro e nossas coisas, enfim, responsabilidades "de adulto". E sempre sai Chapolin ou Chaves no assunto.

Mas ainda lutamos para manter um pedacinho da nossa juventude intacta, e o tanto que é importante ter essa coisa dentro da gente. E assistir os episódios é uma viagem no tempo total, para uma época que a obrigação nossa era simplesmente estudar e comer. Só.

E agora entendi o por quê do dia todo chuvoso...

Mas que inferno, caiu um cisco horrendo no meu olho por conta dessa imagem :(

Foram poucas as situações que estive tão feels por conta da perda de alguma celebridade. Sei lá, Bolaños e sua equipe são mais que isso, acho, marcaram uma geração inteira sem precisar de conotação sexual alguma, nenhum tipo de apelação genérica enlatada qualquer. Sem forçar a barra de nada, sendo despretensioso, simplório, à beira do cru, se quer saber.

Aquilo que a gente na verdade deveria ser, mas acaba nunca sendo.


É gostoso de assistir, de ver aquela coisa tão esdrúxula ser tão fantástica, magnética. Acho que por isso é tão bom: é honesto, direto ao ponto, toca naquela inocência que só depois de tantos anos a gente entende e dá valor - agora, quando praticamente pouco podemos fazer para manter o que ainda nos resta de ingenuidade e leveza.

Risadas de criança. Lágrimas saudosistas também.

Coisa de criança sabe?


Chespirito, obrigado.

Chapolin, obrigado.

E muitos outros personagens menores, mas não menos importantes, obrigado.

Vocês não têm noção do tanto que até hoje são importantes para minha geração - e ainda serão por muitas outras.

Que os deuses da (verdadeira) comédia agora se divirtam com o show ao vivo que dará para eles, Bolaños, porque aqui conosco você foi o cara.

Mas e agora: quem poderá defender?


21 de nov. de 2014

Pecados

Samuel, 27 anos, nasceu em berço de ouro. Filho de pais abastados, teve tudo na vida, menos um pai e uma mãe. Gosta de se mostrar superior, em especial contra aqueles que vêm de família organizada e estruturada, que tem amor e recebem carinho em casa. Estupra constantemente sua empregada, Patrícia, adora cuspir na cara dos outros internos na sua casa e na rua se acha o senhorio dominante. Eu posso.
Recentemente comprou um revólver calibre 38, mas ainda não decidiu em que ordem vai usá-lo: se é em si, nos outros ou nos outros e depois em si.

***

Patrícia, 18, possui o rosto bonito mas mal cuidado, marcado pela constante violência que sofre de Samuel. Calada, precisa trabalhar e sustentar seus dois irmãos mais novos e sua mãe, Dona Nina, viciada. Mora na periferia, precisa pegar três conduções para chegar na casa dos patrões, mas acredita que Deus tem planos melhores para si no futuro. "Ele sabe o que faz".
Tem medo de sair deste emprego ("emprego") e não conseguir nada melhor.
Mal sabe escrever, mas isso não é necessário quando se tem uma pia suja para lavar e uma mansão cheia de coisas que nem sabe para que servem com poeira a tirar.

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Dona Nina, 46, uma mãe-exemplo de como não ser uma mãe. Viciada, passa o dia inteiro em casa vendo TV e sussurrando a si mesma porque Patrícia é tão mole a ponto de não lhe dar mais dinheiro. Empurra seus dois garotos mais novos a vender balas e "balas", doces e "doces", para Tinho, chefe dos protetores marginais da comunidade onde vive.
Rodeada por um barraco caindo aos pedaços mas com visão privilegiada para o bairro nobre alguns quilômetros a frente, sonha em suas viagens artificiais ser uma dondoca perua com motorista, pêrsonal treinê e tabret.
A realidade lhe enoja, e se um de seus filhos voltar com as mãos vazias para casa é castigo na certa. Mãe é pra isso.

***

Tinho, 22, traficante de quinta que se acha o maioral da comunidade por possuir meia dúzia de moleques armados consigo. Violento, adora repetir a cena de Cidade de Deus, onde um bandido atira na mão (ou no pé, tanto faz) do rapazinho. Xaveca Patrícia e não vê a hora de casar com ela, mas prefere por hora as novinhas do bairro.
Tudo se resolve na bala. Possui um contato, David, na polícia, que já lhe salvou a pele de umas duas ou três operações de busca e apreensão.
Era para ter sido padre, mas Tinho não aguentava as brincadeiras e os estupros pelos outros seminaristas na época. Apanhava muito e morava com a avó, que não tinha como lhe dar atenção. Cada dor que causa ao outro é uma a menos pra si.

***

David, 39. Policial frustrado, um pouco covarde, que prefere atribuir a característica como proteção extra. Possui olhos fundos, uma esposa lhe esperando cada plantão em casa e dois filhos; na verdade um filho e uma"filha"; nasceu Lúcio, mas se tornou Dyanne na adolescência.
Repassa porções de drogas e armas apreendidas para a comunidade de Tinho e de mais algumas outras, esperando que bandido mate bandido. Está com o colesterol alto.
Delata operações policiais a bandidos em troca de grana. As contas de casa não querem saber de onde a grana vem.

***

Dyanne, 14, expulso/a de casa pelo pai ao revelar que era homossexual. A mãe até que tentou ajudar, mas o patriarca foi direto: VIADO AQUI NÃO, PORRA!
Entre programas e usos periódicos de drogas, acabou gostando da coisa. Possui rostinho novo, carne nova, atende muito boyzinho e gente da alta. Cresceu no negócio rápido: a maioria de outras/os garotas/os precisam ficar nas perigosas e escuras esquinas com microsaias e cantadas nojentas, clientes nojentos em carros nojentos.
Um amigo seu que recomendou que fizesse isso. Era assim ou ficar na rua. Sente até saudade de casa, mas admite que é dona/o de sua própria vida agora. Só espera não ficar doente e morrer cedo, isso não.
Parou de estudar cedo.
Pensa em parar com isso, mas por hora é bom demais, sexo e dinheiro todo o tempo. Melhor que ser espancado por um cliente que pelo pai.

***

Luis Carlos, 55, empresário. Dono de uma rede de hotelaria com mais de 40 filiais, é um magnata fantástico considerado nascido para o empreendedorismo. Cheio de si, faz questão ostentar seu brilhantismo ao lado de sua esposa e filho nos mais variados eventos que é convidado. Cobra 30 mil reais para dar palestras em cursos universitários a aspirantes, mas sabe que dali pouquíssimos serão de fato alguma coisa na vida.
Vota em partidos conservadores, é evangélico, vai no culto às quartas e sábados, paga o dízimo, mas secretamente acha os mendigos preguiçosos e nordestinos aproveitadores.
Cheguei aqui por mérito meu. Todo mundo pode ser assim se quiser.
Quintas às noites se encontra em total segredo com Dyanne, sendo totalmente passivo a ela. Gosta de jogar dinheiro na cama onde fazem sexo. Paga os hormônios para a garota e as consultas, mas não quer que ela mude de sexo. Vai em casa somente para almoçar e comer.
Não conversa direito mais com a esposa, que tem caso com outro cara. Foda-se. Separação não compensa, sai caro demais.
É pai de Samuel.

13 de nov. de 2014

Como uma bunda se tornou mais importante que o universo

Veja bem: uma sonda conseguiu esta semana a proeza sem precedentes de pousar em um cometa. Feito épico, com possibilidade de se estudar mais sobre a origem de toda a vida, envolvendo o investimento de no mínimo um bilhão de dólares e que, se tudo der certo, em algum tempo teremos a análise química da estrutura do corpo celeste fornecendo melhores dicas e possibilidades de estudo sobre o universo que nos cerca.

Imagem feita pela sonda Philae do cometa 67P/, captada na quarta
Mas pra grande maioria das outras pessoas, isso não faz diferença. Temos coisa melhor pra nos preocupar, tipo... uma bunda.


A repercussão das fotos da socialite Kim Kardashian essa semana foi estrondosa. Estrategicamente falando, foi um grande acerto da personalidade, que possui um marketing impecável a ponto de ganhar uma página dupla na Paper e mais de meio milhão de likes no Instagram. Fotos foram feitas milimetricamente estudadas para impactar e até este meu post vai fazer alguns prováveis leitores a procurar mais sobre a atriz - a crítica foi previamente planejada para dar força ao mito. Não é genial?

Tudo previamente preparado a ponto de fazer o pouso pioneiro se tornar... nada. E olha que fomos inclusive capazes de obter sons do tal cometa.

Break the Internet. Bingo.

Perdemos por uma bunda. O viral se tornou nádegas rentáveis minuciosamente arquitetadas para funcionar como se fossem um furor na web.

Não que esteja reclamando de uma bunda. Sinceramente, eu gosto muito de uma. Mas isso só mostrou o foco das pessoas, seu real interesse, o que cada um procura e dá valor quando se abre um navegador e digita um endereço qualquer - provavelmente a fim de bisbilhotar a vida do outro, invejar o sonho alheio como se fosse seu e viver uma infeliz falácia diária.

E a bunda ganha capas de jornais e milhares de cliques rentáveis.

O tal pouso? Uma notinha ali no canto.

Temos toda a possibilidade de mudar de fato tudo aquilo que acreditamos estar errado e sim, criar uma humanidade mais organizada, de forma a diminuir todos os erros primários que estamos cansados de ver todos os dias.

Mas nem preciso comentar onde nós sempre "preferimos tomar", não é mesmo?

15 de out. de 2014

A Recompensa

Esses dias estava vagando no Complexo Geek e vi que os caras tinham vários quadrinhos traduzidos do Zen Pencils, uma excelente ideia de transcrever citações de grandes personalidades em histórias em quadrinhos. Em uma dessas postagens, me chamou muito a atenção o videozinho a seguir, chamado A Recompensa.

A ideia do curta é mostrar que o que importa não é a chegada, e sim o caminho que você faz e o que aprende até chegar ao seu objetivo. Como eu jogo RPG de mesa até hoje, eu tive um motivo a mais para me identificar com o vídeo, devido a sua arte e sua pegada meio fantasiosa. Vale a pena!

14 de out. de 2014

Morte e Vida Cervejinha

"O gosto da saudade é o mesmo da cerveja", ele fala pra si mesmo naquele muquifo acolhedor que decidiu chamar de lar, por alguns minutos, ao anoitecer de toda sexta.

Olhando para o líquido amarelo dentro do copo americano típico, sente o gélido recipiente molhar a ponta dos seus dedos até algumas gotas escorrerem e caírem como bombardeio na toalha de mesa xadrez que recobre a mobília. Sempre às sextas, uma parte dele morre e vive ali.

Sozinho, cada gole da bebida amarga e dourada lhe traz um amor ganho e outro que perdeu, um sucesso e uma falha, uma música e um silêncio, tudo tão intenso que a sensação chega às vezes a lhe arrepiar os cabelos. O local abafado, as milhares conversas paralelas disputando atenção entre si, o cheiro da comida de boteco e as músicas aleatórias da rádio local,  nada disso de fato interfere no diálogo com seu passado, visível somente dentro daquele copo.

Admita: você quer uma delícia dessa agora!

O saudosismo de tudo arranca-lhe um sorriso bobo do rosto, mas é sincero, desejoso de poder voltar no tempo e arrumar algumas coisas aqui e ali - e deixar outras bagunçadas mesmo. Tudo é um caos, ele não sabe se vai sair bem, então pra que se importar?

A cerveja é sua melhor amiga nessas horas. Não reclama, não questiona, escuta seus desabafos mentais e assiste suas engraçadas expressões físicas como uma plateia atenta que acompanha um espetáculo chique. Pensando bem, ela esteve sempre presente na sua vida: o primeiro porre da sua vida começou com duas latinhas (e não sabe o que foi mais inesquecível: o esporro da sua mãe ou a ressaca no dia seguinte); sua primeira namorada ele conheceu depois de uma intensa "cervejada", várias amizades fez e refez nas mesas de bar regradas a fritas, queijo e bacon. Rodas de truco e a velha discussão Raposa x Galo também sempre estiveram aguadas com a graciosa cervejinha.

Morrer e viver no boteco.

Ou viver e morrer na saudade.

Que diferença faz?