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21 de out. de 2016

Dicionário (im)Pessoal #5

Noção | s. f.

no·ção

Substantivo feminino
1. Ideia que se tem de uma coisa.
2. Conhecimento, notícia.
3. Conhecimento elementar.
4. Exposição sumária.

Fonte

Definições do Dicionário (im)Pessoal:
1. Saber que mexer com uma mulher na rua, especialmente com uma garota de 14 anos, não é algo legal (sim, eu vi isso hoje: um rapaz que trabalhava em uma obra começou a assoviar para a menina voltando da escola, que tinha mais ou menos essa idade, e chamando-a pra entrar na construção com ele; ele me viu e ficou fazendo cara feia pra mim, mas eu fiquei encarando o cidadão e ele se retirou);
2. Saber onde seu direito termina e onde começa o do outro;
3. Entender que a zoeira não tem limite, mas tem hora, e pode ser uma excelente ferramenta de socialização em muitos casos;
4. Assumir nem que seja minimamente suas responsabilidades, deveres e falhas.

***
O Dicionário (im)Pessoal são conceitos de palavras corriqueiras mas que, ao contrário do livro tradicional, foge à regra por permitir interpretações diferentes por cada um que leia aquele termo. Fica a pergunta: o que a palavra da vez lhe traz de experiências, memórias ou sensações? Comente!

14 de out. de 2016

Memórias [Conto]

— Com trinta centímetros de metal atravessado em suas entranhas, só um idiota ainda acredita na fé.

O guerreiro, caído no vau do rio, escuta uma voz espectral dizer isso. Ignorando a fala, e com as poucas forças que ainda lhe restavam, segurou o terço na sua mão, pois não era pela fé que tal objeto era relevante para ele: um belo crucifixo feito de prata pura feito no melhor ourives da cidade de Elarin. Não, não mesmo.

— Assim como tem sido em toda a História, o método mais efetivo para se estabelecer em uma contenda ainda é pelo derramamento de sangue a mando de poucos que “acham” que sabem de alguma coisa. Coitado... Coitados de vocês, almas ignorantes, que por conta da ilusão da honra, acreditam fazer uma gloriosa batalha contra um inimigo que na verdade também é tão torpe. Pena!

Essa voz... Seria a Morte se fazendo presente neste momento?

Para o inferno com isso. Não faz mais diferença, pois o soldado caído não sente mais medo, apenas frio, e morrer agora é só uma questão de tempo. O som dos corvos revoando, escolhendo qual dos corpos seria o mais apetitoso, e dos outros já se banqueteando das vísceras dos derrotados, lhe dão uma mórbida paz. A água corrente e gelada passando por dentro da sua armadura era pacificadora, pois levava embora em tom rubro seu sangue sujo e culpado de outras mortes cujas quais fora o executor. Era este o fim: morrer em batalha buscando conquistar os campos férteis daquela região. Que original...

— Entendi porque concentra suas poucas forças neste objeto, homem — a voz calma e macabra corta os pensamentos do combatente moribundo. — Não é o objeto, é quem lhe deu de presente. São memórias. Você lutou e chegou até aqui não por ideal, mas para fazer jus a algumas memórias. Tolo... Tolo! Não por desejar fazer com que essas lembranças sobrevivam, mas por se apegar a elas dentro de um campo de guerra. Você vai morrer... Sim, e logo... Mas por mais que tenha lutado com bravura, não será sobre você que os menestréis cantarão. Quem lhe deu o presente nunca saberá que fim aconteceu com você, pois até seus mensageiros foram mortos. Essa pessoa... Essa pessoa também morrerá na dúvida, com amargura infinita por não saber que fim teve seu amado. E seu presente... Presente tão belo, será levado por um corvo para um lugar qualquer e por ali perdido, pois sabe que essas aves gostam de coisas brilhantes, ou saqueado por algum fazendeiro ou carniceiro, derretido e vendido para se tornar um dente, uma presilha de cinto ou o detalhe de uma taça para lábios gordos, justo aqueles que ditam quando uma guerra começa ou termina. Ó fim mais imoral terá!

Her Cold Embrace • TheMichaelMacRae
Finalmente, a visão do soldado começa a ficar mais e mais turva. Ainda tem tempo de sentir um fio quente cruzando seu rosto (seria suor ou uma lágrima?), a última fonte de calor que se lembra desde o fim do combate. As pálpebras ficam pesadas, e o dia vira noite rapidamente. Os sons vão ficando longe, sumindo cada vez mais, e por fim, um balbuciar se esvai através do eco que foge pelas lacunas do pesado elmo:

— Te... a... mo...