Postagens

29 de jul. de 2016

Pensamentos Cotidianos

Estava em um bar hoje com alguns amigos quando uma mulher, em seus 30 anos mais ou menos, apareceu. Bonita e com um corpo dentro dos padrões "socialmente desejáveis", digamos assim. Mas ao invés de contemplá-la, em um estalo, mudei meu foco para reparar como o ambiente à sua volta reagiria com a presença dela.

Exceto por algumas atendentes, todos os presentes no local eram homens, com no mínimo também por volta de 30 anos, alguns uniformizados e indo/vindo do trabalho. Todos começaram a encará-la e reparar insistentemente nos dotes físicos da moça; eu notei isso e também vi que ela, apesar de se claramente notar os olhares todos recaírem sobre si, evitou qualquer tipo de contato visual, limitando-se apenas a interagir com os funcionários. Quando seu pedido chegou, ela o recolheu e foi embora.

Fiquei me perguntando, como em um exercício de empatia, quantos olhares, cantadas e outras banalidades deve ouvir todo dia. Não, não estava com "roupas provocantes" (o que também não dá direito de julgar ninguém), nem qualquer tipo de comportamento "provocativo".

Pensei na minha irmã, na minha mãe. Pensei na minha namorada e amigas,

Pensei sobre mim e minha postura para com algumas pessoas.

***

Momentos depois, um dos rapazes que estavam comigo à mesa disse:
"Namorar alguém tem que ser no máximo por dois anos; mais que isso enjoa e não compensa."
Estou em um relacionamento que vai fazer oito anos. Estou em um loop de enjoo eterno, então? Se eu me cansar, basta descartar? É mais fácil então adquirir uma coisa duvidosa mas nova do que consertar uma velha mas correta?

Novamente pensei, mas desta vez, sobre o comportamento das pessoas sobre ou para mim.

22 de jul. de 2016

Empatias e empregadas

Sabe qual é o problema das pessoas hoje? Falta de empatia.


Não, não é a porcaria de uma "escola sem partido" que vai salvar a educação de alguém - até porque, aos defensores dessa ideia bisonha, desafio-os a mostrar um sistema educacional apartidário e funcional em qualquer lugar do globo e que não seja envolto por um sistema político ditatorial. Pensar incomoda muita gente, correto?


Carecemos de falta de afeto, de empatia, de sensibilidade ao direito de ser do outro, de respeito às decisões alheias, de não apontar o dedo. Mas é hipocritamente melhor atribuir a educação (em todos os aspectos) à figura da escola, ao diploma, ao "mestre", ao "doutor", e esquecer que a formação mais elementar de todas vem de casa, do exemplo dos pais, do ensinamento do respeito, da dignidade como ser humano dentro de uma comunidade. É a típica hipocrisia social, do alívio e transporte da culpa de uma sociedade falida para a primeira coisa que se vem à cabeça. Vive-se dentro do entorpecimento de excessos e bipolaridades, onde só se pode ter uma única visão, e destoar dela é fraquejar seja lá com quem for.


Empatia: palavrinha simples e mágica até, servida acompanhada de respeito e abertura. De carinho, de afago, de abraço, de beijo, de um monte de coisa bonita e bacana, hoje todas largadas de canto.

Ler os depoimentos da página Eu Empregada Doméstica me engasgou. Tenho um épico exemplo de dignidade dentro de casa, e só de imaginar que alguma coisa parecida já possa ter acontecido com essa pessoa já me deixa sem ação, me faz sentir inútil. É por causa dessa pessoa que eu hoje não sou cego, que eu não tive problemas de garganta porque ela correu atrás, ela é quem não me deixou estacionar e me empurrou para frente, mesmo não tendo conseguido metade dos facilitadores que hoje eu tenho.


Empregado doméstico não é sinônimo de vergonha. Nunca foi.

Empatia, galera, empatia. 

14 de jul. de 2016

O encontro

O garoto estava ainda atordoado, ajoelhado, de frente à lápide do finado parente, olhava diretamente para o que estava escrito: o nome, data de nascimento e falecimento e a foto em preto e branco daquele homem que chegara ao fim de seus anos. Claramente o rapaz não aceitava a morte de tal senhor: de alguma forma, e somente agora, ele se deu conta de quão absoluto é o fim de algo que se ama.

Todos que foram ao enterro já tinham ido embora; haviam muitos rostos conhecidos, e outros nem tanto, e aqueles nada reconhecíveis. O entardecer trazia junto da sombra um vento frio, mostrando que o inverno ainda não terminara.

Por que ainda choras, rapaz? — uma voz estranha, quase cadavérica, surgiu próximo do garoto. Assustado, ele olha e vê um cidadão de meia-idade, trajando roupas finas, embora um pouco fora de moda, talvez. Tinha barba muito bem feita e cavanhaque pontudo, um bigote peculiar, cabelo e olhos negros feito carvão e um ar de ironia. O homem toca de leve o ombro do rapaz.

Cemetery Sundown
O garoto estranha um pouco: era impossível este homem ter chegado ali sem que ele visse, já que o túmulo fica em cima de uma colina, e o único caminho disponível era aquele cujo qual o rapaz estava de frente. Voltando a si, o ele comenta para o exótico homem:

— Porque perdi um parente muito querido. Todos ficam tristes quando perdem algo que gostam muito.

Ora, isso não ser novidade para ninguém — fala pacificamente o estranho, enquanto massageia os pelos do cavanhaque. — No entanto, sabes que a morte ser inevitável, então por que insistes em chorar?

O garoto fica maus confuso ainda, Quem diabos é esse cara que acaba de chegar e fica com esse papo agora? Não saberia ele respeitar o momento de dor alheia?

— Olha meu senhor, lidar com perdas é muito complicado. Estou em um momento difícil, e o senhor parece querer caçoar de mim... Respeite minha dor, por favor.

— Meu rapaz, não precisar ficar assim. Apenas acho engraçado vocês, que comemoram o nascer das coisas e se entristecem com desfazer delas, como se fossem absolutas. Tudo vem e vai. Não ser nada separado uma da outra; ambas fazer parte de um longo... processo.

— Quem é o senhor, para vir aqui me dizer isto? Conhecia meu parente?

O garoto estranha muito a fala do senhorio. É um pouco confusa, errada, com graves erros de concordância, mas passa uma firmeza sem igual. O estranho homem olha diretamente nos olhos do rapaz, solta um leve sorriso de canto de rosto e diz:

Eu conhecer seu parente, você, os que já se foram e os que virão, jovem. Eu vir aqui lembrar você de aproveitar o tempo que lhe resta, igualando o que se foi com que ainda fica. Vós perdestes muito de sua energia dedicando a coisas ruins e lembrar de coisas que já se foram, que não há nada mais o que fazer... Memórias ser coisas boas, mas podem lhe atrasar, ofuscar os olhos em virtude de tudo que a vida proporciona graças a uma finada sensação que tu insistes em ressuscitar. 

Lauren Hill Cemetery
"Lembre-se: você está aqui para viver. Para experimentar, arriscar, chorar, divertir, mas no fim, viver. O que há na morte é outra história, morra e descubra. Até chegar sua hora, ame, odeie, comece, termine, respire, inspire, brinque... Pois, pense: hoje subiste este morro para chegar até aqui, e haverá o dia cujo qual você nem de longe isso conseguirá, e depois desse dia, outro dia cujo qual será aqui repousado por muitas ou poucas pessoas. Você tens medo de roubar aquele beijo, pedir teu aumento no trabalho, de puxar papo com a rapariga... Pois não deveria, sabes? No fim, e apenas no fim, descobrirás que muito do que fizeste foi perda de tempo, e um outro punhado de coisas que deixastes para trás por medo de fazê-las lhe será tomado como um vazio. Vivas, meu rapaz, vivas. A cada aniversário, a cada ano, mais e mais estarei perto de ti e de surpresa tomarei o que é meu."

Assustado, o garoto olha para o túmulo do parente finado. Ao voltar o olhar, não vê mais ninguém. Teria sonhado? Não... Claramente não. Era real: o toque, a fala errada, o cheiro do tal homem... Não foi um alerta, e sim um conselho; e por mais misterioso que fora o encontro, o rapaz nãos sente medo.

Ele se levanta, limpa seus joelhos e desce pelo caminho entre covas abertas, jazigos e túmulos. A noite quase que chegara completamente. Mas pensando, na verdade, o raiar de tudo apenas começara a despontar.