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25 de mar. de 2016

Remédios

Enquanto ia para o trabalho essa semana, vi duas pessoas de idade, ambos com aparentemente setenta anos, um homem e uma mulher, conversando sobre saúde e remédios. Aparentemente já eram conhecidos de longa data (mas não com um relacionamento), e caminhavam com a limitação comum da idade.

Eu passava próximo a eles, e escutei o seguinte diálogo:

— Eu parei de tomar meus remédios — diz o homem.
— Por quê?
— Quanto mais remédio eu tomava, mais fraco eu estava. Tomava um remédio para cuidar de uma coisa, piorava outra. Arrumei um que agora tem me feito bem melhor agora.
— Qual?
— Caipirinha.
— Mas você não estava podendo beber...
— Nem estou podendo mesmo. Mas azar.
— Faz isso não homem. Pode te dar problema aí...
— Ah, azar. Já estou velho demais para ficar dando dinheiro pra esse povo que só quer ver a gente doente e ganhar em cima. Arrumei uma pinguinha aí, uns limões e sal, e mando pra dentro na hora do almoço. Fico bem, relaxado, nem preciso exagerar. Até a dor na perna sarou. Minha filha não gosta, mas eu não estou nem aí, é só um pouquinho por dia. Tenho me sentido realmente bem mais disposto, tanto por pegar e fazer um negócio que muito tempo não tomava quanto pelas lembranças que isso me traz.
— Uai, vou tomar uma co'cê lá...
— Vamos lá, sô. 'Cê vai ver a diferença que é.

E assim fui para o trabalho, com a boca seca para tomar minha caipirinha do dia.

18 de mar. de 2016

Mandamentos de boa postura da internet

Sempre vemos por aí uma internet recheada de desinformação e ruídos. Principalmente em épocas de assuntos polêmicos, pessoas vociferam opiniões às vezes infundadas e impensadas rede afora, e isso pode ser perigoso, já que aquele argumento errôneo pode influenciar outros a cometerem o mesmo fatídico fracasso.

Portanto, segue alguns toques de boa convivência virtual, como forma a ajudar a todos a terem um lazer internético mais divertido e saudável:

1. Sempre pesquisarás

Antes de sair comentando qualquer coisa por aí, tenha certeza de que você sabe o mínimo suficiente daquele assunto. Isso ajuda a manter o debate saudável e, ao mesmo tempo, permite que você discuta de maneira inteligente com outras pessoas.

2. Lerás o outro lado

Mesmo que você tenha uma posição contrária a uma linha política, religiosa ou social, se informar de assuntos que você é contra a respeito ajuda a embasar seus argumentos e evitar ser pego de surpresa por questionamentos do outro lado. Não entenda como uma guerra, mas o atrito gerado por um bom debate tende a ser positivo até para aqueles que somente estão acompanhando-o, sem opinar em nada.

3. Não terás preguiça

Um erro gravíssimo é tentar nos informar apenas pelo título de alguma coisa. Manchetes podem ser extremamente tendenciosas e não demonstram desdobramentos que o texto completo possui — ou pelo menos deveria possuir. Deixe a preguiça de lado e se informe corretamente!

3. A teu ego dominarás

Fato: é mais comum do que pensamos a nossa falta de capacidade em aceitarmos que estamos errados ou, no mínimo, equivocados quando em uma discussão e, dessa forma, evitarmos receber qualquer crítica. Não faça isso. Aceite que o argumento do outro foi melhor naquele momento, e estude de forma a refutá-lo posteriormente com coesão e maturidade. Ninguém gosta de pirraça, e maus perdedores não são levados a sério em lugar algum.

4. Mentiras não serão semeadas

Cuidado ao sair compartilhando qualquer coisa só porque está na internet. Existem várias notícias falsas que são publicadas em sites duvidosos somente para fazer com que os mais desatentos cliquem nelas e gerar visualizações e monetização. Até mesmo grandes veículos de comunicação às vezes publicam textos equivocados ou tendenciosos.

Na dúvida, não publique.

5. Desconfiarás de cada ponto

Não é para ser paranoico, mas mesmo o mais idôneo meio de comunicação já cometeu gafes graves. Sempre leia fontes diferentes, e tente refletir por si só sobre o que leu. Dessa forma você cria independência e com o tempo, conseguirá filtrar melhor todas as minúcias escondidas dentro das mensagens.

6. Nunca comentará falácias

Não é necessário discutir muito sobre isso, melhor ver na prática: acesse o link www.papodehomem.com.br/falacias-logicas/ e leia a respeito. Aposto que você mesmo se surpreenderá do tanto de coisas falaciosas que executa durante suas discussões e não havia reparado.

7. Não alimentarás o troll

Trolls sempre vão existir e em vários casos, apenas são aqueles que desvirtuam toda uma boa discussão. Não caia nessa. Evite-os ou faça-os cair em seu próprio jogo.

8. Serás educado

Muitas vezes alguém perde a cabeça (principalmente em função do Quarto Mandamento) e começa a esbravejar xingamentos homofóbicos, xenofóbicos, sexistas... Cuidado para não entrar nisso. Mostre que você não precisa se rebaixar nesse ponto para levar a discussão adiante; não há necessidade de continuar um assunto quando alguém quer evitar qualquer diálogo coerente.


9. Cuidado com o que escreverás

Naturalmente, tudo aquilo que você escreve e publica pode ser interpretado de várias maneiras, de acordo com aquele que lê. Por isso, todo cuidado é pouco: muita dor de cabeça pode ser evitada se você ler e reler algo antes de confirmar o compartilhamento. Uma vez que a mensagem foi para a internet, você não tem ideia nenhuma de onde aquilo pode – e como – vai chegar.


10. Terás postura

Se publicar alguma coisa e se arrepender depois, aceite. Assuma que você se equivocou, mas hoje pensa diferente e que aquilo poderia ter sido reescrito de outra forma ou simplesmente não ter sido postado. Ser honesto é uma das maiores características impessoais do ser humano, e você estará sendo tanto consigo mesmo quanto para a comunidade virtual. Todos saem ganhando!

12 de mar. de 2016

Réquiem da dúvida

Cervejas e drinques eficientes,
garçom, alegre e tranquilo.
De mesa a mesa reconhecido,
esforçado era, sempre agradecido,
fala baixa, discreto e muito amigo.

(Porque assim tão próximo de Deus,
no tradicional cartão postal,
forçado deu seu último adeus?)

Mas a desgraça lhe rondava
da morte, não pôde se esconder.
Uma vez lhe tiraram o amor
diferente talvez, mas de valor
intolerância, com sangue a valer.

(Porque morrem tantos bons
se quem continua a viver semeia
dor e tristeza como dons?)

Da vida não se tem mais respeito
Mais uma vítima da covardia
Do ódio tolo, sozinho apanhava
Paus e socos, a vida lhe arrancava
E apesar das dores, ninguém ouvia.

(Porque  fazer sofrer tanto
aquele que de você não precisa
além de respeito e ponto?)

Um corpo frio no chão
depois de uma noite sem lua.
O sorriso não existe mais,
o segredo sombrio se faz,
na noite covarde da rua.


***
Ao mesmo tempo que experimento escrever em estilo de poesia, coisa que eu raríssimas vezes faço (e tomo iniciativa agora em função das aulas da universidade), gostaria de deixar aqui um pequeno registro de alguém que foi covardemente assassinado na madrugada desta sexta (11/03).

Esta poesia é para Adílio, um rapaz negro, gay e membro de religião africana — pessoa que já teve um namorado morto vítima de homofobia —, que foi espancado até a morte, após sair do trabalho e de forma terrivelmente covarde por socos e pauladas, cujo corpo foi encontrado por uma moradora de rua. Estranhamente, ninguém nas redondezas do acontecido ouviu algo suspeito...

Embora não fosse amigo próximo dele, várias vezes fui atendido de forma exemplar pelo próprio no bar onde trabalhava como garçom, no cartão postal aqui de São João del-Rei. Resta-me desejar um descanso confortável, e torcer para que alguma justiça seja feita.

5 de mar. de 2016

Porque um alienígena nunca visitaria nosso planeta

No dia primeiro de março de 2016, dois astronautas retornaram à terra depois de quase um ano no espaço. Ao chegar à Terra com uma nave de transporte soviética, percebeu-se um pequeno áudio nos arquivos de gravação, com uma mensagem decodificada desta forma:

“Olá terráqueos. Vemos em vocês uma imensa curiosidade em saber de nossa existência, se realmente somos criaturas cinzas, baixas e de olhos grandes, se gostamos ou não das mesmas coisas; infelizmente, tão cedo ficarão à sombra da dúvida, pois quase não temos mais interesse em fazer qualquer contato com seu povo. Em suma: não vemos motivos quaisquer para nos revelar e interagir com seu planeta.

Até gostaríamos mesmo de poder unir nossos conhecimentos em um só, e formaríamos uma comunidade intergaláctica avançada em todos os sentidos. Mas, observando-os, chegamos à conclusão que vocês mal gostam do seu chamado Planeta Azul, pois não têm o mínimo de respeito com este lugar que têm como lar. Vocês destroem tudo em prol de uma coisa tão subjetiva que denominam como “dinheiro”, desfazem o equilíbrio natural e se vangloriam disso, matam seu semelhante – mesmo que ele tenha patas em vez de pés – como se fosse apenas mais um. Vocês precisam entender que nada dura para sempre, e mesmo vocês um dia saberão, às duras penas, que trocar o azul de suas águas e o verde das matas pelos tons frios de seus ‘dinheiros’ não terá valido a pena.

Pior: vocês perdem tempo menosprezando suas mulheres, aquelas que fazem o mais nobre trabalho de todos, que é continuar sua espécie. Desdenham de sua luta por direitos igualitários entre si, e as têm como posse e objeto qualquer de desejos temporários. Zombam de suas inconstâncias, e depositam nelas culpas que não tiveram. Tolos.

Vocês preferiram se vender a viver. Entregam suas almas a obrigações enfadonhas, e aguardam como se por um milagre para que o amanhã seja diferente – e nunca é. Claro, porque nem de longe, muitos de vocês não são resultado daquilo que sonham.


Digam-nos: quando foi que pararam para ver a beleza do desabrochar de uma flor após uma chuva? Já tem muito tempo que fecharam os olhos e se deliciaram em ouvir sua música preferida, certo? Cada um de vocês teria certeza em nos responder qual seu maior prazer na vida? Quando foi a última vez que fizeram desenhos estranhos com nuvens em um céu azul? Sabem nos dizer de qual animal gostam mais (nosso preferido são as corujas!)? Possuem inspirações para escrever muito mais, poderiam incentivar a educação do seu povo...

Ficamos tristes quando vemos vocês trocarem suas vidas reais pelas virtuais, como se tivessem um escudo para preservar suas intimidades. Quando são impacientes com pequenas coisas que poderiam aprimorar sua percepção ou aumentar seu contato, como a demora de um ônibus a chegar, as pessoas que tocam músicas que você não goste, vocês perdem uma boa dose de empatia e conhecimento do outro. Ficamos felizes quando discutem calorosamente mas conseguem resolver-se valendo da razão e sem brigas. Quando se questionam “quem é você” em busca de um aperfeiçoamento pessoal, quando fazem coisas loucas tipo pular de paraquedas, quando a essência da liberdade vence e se faz respeitada, quando, dentro do bom senso, vivem como se fosse seu último dia, como se o mundo fosse acabar amanhã.

Enfim, queremos que saibam que não somos prepotentes ou de fato superiores. Apenas temos certeza que muitos dos seus problemas são facilmente resolvidos com um diálogo sensato e organizado. Só isso. Pensem e façam sua parte. Porque infelizmente, para nós aqui, quando poderíamos ter feito tudo isso, não fizemos, e agora pagamos o preço perdendo nosso lugar da mesma forma que vocês estão fazendo com o seu e vagueamos, como parasitas, de um cosmo a outro em busca de esperança, que diminui a cada estrela que cruzamos, a cada planeta deixado para trás.

Não repitam nossos erros.”

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Texto originalmente escrito para a disciplina de Escrita e Criatividade do curso de Letras/UFSJ, cuja premissa tinha como base pegar frases aleatórias e juntá-las de forma conexa.

27 de fev. de 2016

Reações (des)Conectadas?

Independent

Eu poderia escrever muita coisa sobre essa foto. Muita mesmo, o tanto de informação que a imagem passa é fora de série. Mas eu gostaria apenas de salientar, no meu ponto de vista, um futuro que eu tenho medo, que eu acho que estamos caminhando para ele cada vez mais afoitos, sem olhar para trás ou sequer pensar onde vamos chegar.

Entenda-se: estamos conectando cada vez mais pessoas, mas não relações. Um like vale cada vez mais que um cumprimento, um meme ou emoji substituem uma conversação, fazem-se entender por si só; eu mesmo costumo muito responder postagens usando memes. Estamos substituindo gradual e imperceptivelmente toda a deliciosa tensão gerada de um encontro real por um smiley genérico, um reforço de egos binário e uma visibilidade que infla a necessidade de participar, não ficando para trás dentre aqueles que se conhece.

Você pode substituir um abraço por uma curtida, por exemplo...

Estou sendo realista, mas não pessimista. Sério. vejo que estávamos de fato nos direcionando para que esse caminho fosse tomado, era um progresso natural até. Talvez não tão rápido, mas ainda assim nada surpreendente, mas a pergunta ainda é: vamos nos tornar somente um número, uma qualificação binária em uma rede "social"?

5 de jan. de 2016

Encoraje um artista


 
 
 



4 de jan. de 2016

[MICROCONTO] O Homem do Chapéu Negro

Demorou muitas luas, mas finalmente o Homem de Chapéu Negro chegara ao velho moinho. Envolto sob uma noite escura e brumosa no charco lodoso, pútrido e cercado de árvores secas e anormalmente retorcidas, é nítido que nem mesmo a neve ousa tocar o solo daquele lugar: tudo que restou de uma antiga vila agora se resumia somente, e tão somente, na construção decrépita de pedras negras e irregulares que suavam corrupção a olho nu em uma elevação no terreno cuja trilha que leva até a porta de entrada o tempo quase apagou por completo. O cheiro de morte, os corvos curiosos com o visitante, a água podre que formava uma lama pastosa e escura que sujavam quase aos joelhos do caçador, os pedaços de gente apodrecendo junto a tufos de grama e vermes do tamanho de um dedo polegar não deixavam dúvidas que ele alcançou o covil da bruxa.

Mas não era de uma simples feiticeira que o Homem de Chapéu Negro estava atrás: a criatura que ele caçava era asquerosa, grande, embora andasse arqueada e com sua coluna fazendo quase noventa graus. Ela usava um tipo de magia desconhecida, atraindo as pessoas para próximo de seu covil, e uma vez que as alcançasse, arrancava seus olhos e fazia coleção deles, e comia outras partes do corpo. As vítimas preferidas dessas bruxas eram as grávidas e as crianças, e seus ossos virariam cálices e ferramentas de bruxaria espectral.

A única fonte de luz vinha da cintilante tocha mística que o Homem de Chapéu Negro carregava, uma chama que permitia a iluminação mesmo no caso de escuridões de origem profana; era uma lembrança que o fogo da vida existe mesmo naquele cenário horrendo. Pela última vez, ele checa seu rifle, um Bridesburg Model 1861, arma de tiro único mas confiável, precisa e carregada com sua bala de prata especialmente feita para atingir caças que são resistentes a tiros convencionais. Também confere suas Colt’s, munição para as mesmas e suas bombas alquímicas, previamente preparadas para diminuir o poder mágico da profanação prestes a combater.


Sua melhor arma, no entanto, era Aurora, um sabre finamente fabricado e com uma lâmina tão brilhante quanto à luz da lua, tão bem límpida que mal parecia que ela já tinha se sujado como sangue e vísceras de tantas criaturas profanas. Ninguém sabe o porquê da sua espada ser chamada assim, mas não havia também aquele com coragem para perguntar. O Homem do Chapéu Negro não respondia nada que não fosse relacionado a sua próxima caça ou recompensa, e todos tinham medo dele, onde quer que fosse, mesmo se fosse chamado para o pior dos casos.

Tudo perfeito, exceto por um detalhe: embora não carregue a petulância dos caçadores novatos, sua esperança de volta era diminuta. Influência da criatura? Talvez... Mas como caçador, e portador do Chapéu Negro, a esperança é algo que definitivamente não foi feita para ele, e sim para outros que dependem do sucesso da sua caça. É perda de tempo acreditar que ele possa sair vivo de qualquer missão, enfim; caçadores são feitos para isso, e de um jeito ou de outro, morrer pelas garras, presas ou feitiços, considerando ainda uma morte rápida, é o melhor destino que qualquer Homem de Chapéu Negro pode esperar.

Ele beija sua espada com toda a ternura possível, e salta em direção a parte baixa, onde há muito havia o curso de um vívido riacho hoje apenas lembra um fino curso de água fedorenta. Ele vai em direção ao caminho de entrada do velho moinho e quanto mais se aproxima da entrada, mais é possível escutar o estalar da madeira de dentro da construção, o gotejar da infiltração cair como tiques de relógio, assim como suas hélices que como em uma sobrevida tentam se mover.

Será uma longa noite...