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12 de mar. de 2016

Réquiem da dúvida

Cervejas e drinques eficientes,
garçom, alegre e tranquilo.
De mesa a mesa reconhecido,
esforçado era, sempre agradecido,
fala baixa, discreto e muito amigo.

(Porque assim tão próximo de Deus,
no tradicional cartão postal,
forçado deu seu último adeus?)

Mas a desgraça lhe rondava
da morte, não pôde se esconder.
Uma vez lhe tiraram o amor
diferente talvez, mas de valor
intolerância, com sangue a valer.

(Porque morrem tantos bons
se quem continua a viver semeia
dor e tristeza como dons?)

Da vida não se tem mais respeito
Mais uma vítima da covardia
Do ódio tolo, sozinho apanhava
Paus e socos, a vida lhe arrancava
E apesar das dores, ninguém ouvia.

(Porque  fazer sofrer tanto
aquele que de você não precisa
além de respeito e ponto?)

Um corpo frio no chão
depois de uma noite sem lua.
O sorriso não existe mais,
o segredo sombrio se faz,
na noite covarde da rua.


***
Ao mesmo tempo que experimento escrever em estilo de poesia, coisa que eu raríssimas vezes faço (e tomo iniciativa agora em função das aulas da universidade), gostaria de deixar aqui um pequeno registro de alguém que foi covardemente assassinado na madrugada desta sexta (11/03).

Esta poesia é para Adílio, um rapaz negro, gay e membro de religião africana — pessoa que já teve um namorado morto vítima de homofobia —, que foi espancado até a morte, após sair do trabalho e de forma terrivelmente covarde por socos e pauladas, cujo corpo foi encontrado por uma moradora de rua. Estranhamente, ninguém nas redondezas do acontecido ouviu algo suspeito...

Embora não fosse amigo próximo dele, várias vezes fui atendido de forma exemplar pelo próprio no bar onde trabalhava como garçom, no cartão postal aqui de São João del-Rei. Resta-me desejar um descanso confortável, e torcer para que alguma justiça seja feita.

5 de mar. de 2016

Porque um alienígena nunca visitaria nosso planeta

No dia primeiro de março de 2016, dois astronautas retornaram à terra depois de quase um ano no espaço. Ao chegar à Terra com uma nave de transporte soviética, percebeu-se um pequeno áudio nos arquivos de gravação, com uma mensagem decodificada desta forma:

“Olá terráqueos. Vemos em vocês uma imensa curiosidade em saber de nossa existência, se realmente somos criaturas cinzas, baixas e de olhos grandes, se gostamos ou não das mesmas coisas; infelizmente, tão cedo ficarão à sombra da dúvida, pois quase não temos mais interesse em fazer qualquer contato com seu povo. Em suma: não vemos motivos quaisquer para nos revelar e interagir com seu planeta.

Até gostaríamos mesmo de poder unir nossos conhecimentos em um só, e formaríamos uma comunidade intergaláctica avançada em todos os sentidos. Mas, observando-os, chegamos à conclusão que vocês mal gostam do seu chamado Planeta Azul, pois não têm o mínimo de respeito com este lugar que têm como lar. Vocês destroem tudo em prol de uma coisa tão subjetiva que denominam como “dinheiro”, desfazem o equilíbrio natural e se vangloriam disso, matam seu semelhante – mesmo que ele tenha patas em vez de pés – como se fosse apenas mais um. Vocês precisam entender que nada dura para sempre, e mesmo vocês um dia saberão, às duras penas, que trocar o azul de suas águas e o verde das matas pelos tons frios de seus ‘dinheiros’ não terá valido a pena.

Pior: vocês perdem tempo menosprezando suas mulheres, aquelas que fazem o mais nobre trabalho de todos, que é continuar sua espécie. Desdenham de sua luta por direitos igualitários entre si, e as têm como posse e objeto qualquer de desejos temporários. Zombam de suas inconstâncias, e depositam nelas culpas que não tiveram. Tolos.

Vocês preferiram se vender a viver. Entregam suas almas a obrigações enfadonhas, e aguardam como se por um milagre para que o amanhã seja diferente – e nunca é. Claro, porque nem de longe, muitos de vocês não são resultado daquilo que sonham.


Digam-nos: quando foi que pararam para ver a beleza do desabrochar de uma flor após uma chuva? Já tem muito tempo que fecharam os olhos e se deliciaram em ouvir sua música preferida, certo? Cada um de vocês teria certeza em nos responder qual seu maior prazer na vida? Quando foi a última vez que fizeram desenhos estranhos com nuvens em um céu azul? Sabem nos dizer de qual animal gostam mais (nosso preferido são as corujas!)? Possuem inspirações para escrever muito mais, poderiam incentivar a educação do seu povo...

Ficamos tristes quando vemos vocês trocarem suas vidas reais pelas virtuais, como se tivessem um escudo para preservar suas intimidades. Quando são impacientes com pequenas coisas que poderiam aprimorar sua percepção ou aumentar seu contato, como a demora de um ônibus a chegar, as pessoas que tocam músicas que você não goste, vocês perdem uma boa dose de empatia e conhecimento do outro. Ficamos felizes quando discutem calorosamente mas conseguem resolver-se valendo da razão e sem brigas. Quando se questionam “quem é você” em busca de um aperfeiçoamento pessoal, quando fazem coisas loucas tipo pular de paraquedas, quando a essência da liberdade vence e se faz respeitada, quando, dentro do bom senso, vivem como se fosse seu último dia, como se o mundo fosse acabar amanhã.

Enfim, queremos que saibam que não somos prepotentes ou de fato superiores. Apenas temos certeza que muitos dos seus problemas são facilmente resolvidos com um diálogo sensato e organizado. Só isso. Pensem e façam sua parte. Porque infelizmente, para nós aqui, quando poderíamos ter feito tudo isso, não fizemos, e agora pagamos o preço perdendo nosso lugar da mesma forma que vocês estão fazendo com o seu e vagueamos, como parasitas, de um cosmo a outro em busca de esperança, que diminui a cada estrela que cruzamos, a cada planeta deixado para trás.

Não repitam nossos erros.”

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Texto originalmente escrito para a disciplina de Escrita e Criatividade do curso de Letras/UFSJ, cuja premissa tinha como base pegar frases aleatórias e juntá-las de forma conexa.

27 de fev. de 2016

Reações (des)Conectadas?

Independent

Eu poderia escrever muita coisa sobre essa foto. Muita mesmo, o tanto de informação que a imagem passa é fora de série. Mas eu gostaria apenas de salientar, no meu ponto de vista, um futuro que eu tenho medo, que eu acho que estamos caminhando para ele cada vez mais afoitos, sem olhar para trás ou sequer pensar onde vamos chegar.

Entenda-se: estamos conectando cada vez mais pessoas, mas não relações. Um like vale cada vez mais que um cumprimento, um meme ou emoji substituem uma conversação, fazem-se entender por si só; eu mesmo costumo muito responder postagens usando memes. Estamos substituindo gradual e imperceptivelmente toda a deliciosa tensão gerada de um encontro real por um smiley genérico, um reforço de egos binário e uma visibilidade que infla a necessidade de participar, não ficando para trás dentre aqueles que se conhece.

Você pode substituir um abraço por uma curtida, por exemplo...

Estou sendo realista, mas não pessimista. Sério. vejo que estávamos de fato nos direcionando para que esse caminho fosse tomado, era um progresso natural até. Talvez não tão rápido, mas ainda assim nada surpreendente, mas a pergunta ainda é: vamos nos tornar somente um número, uma qualificação binária em uma rede "social"?

5 de jan. de 2016

Encoraje um artista


 
 
 



4 de jan. de 2016

[MICROCONTO] O Homem do Chapéu Negro

Demorou muitas luas, mas finalmente o Homem de Chapéu Negro chegara ao velho moinho. Envolto sob uma noite escura e brumosa no charco lodoso, pútrido e cercado de árvores secas e anormalmente retorcidas, é nítido que nem mesmo a neve ousa tocar o solo daquele lugar: tudo que restou de uma antiga vila agora se resumia somente, e tão somente, na construção decrépita de pedras negras e irregulares que suavam corrupção a olho nu em uma elevação no terreno cuja trilha que leva até a porta de entrada o tempo quase apagou por completo. O cheiro de morte, os corvos curiosos com o visitante, a água podre que formava uma lama pastosa e escura que sujavam quase aos joelhos do caçador, os pedaços de gente apodrecendo junto a tufos de grama e vermes do tamanho de um dedo polegar não deixavam dúvidas que ele alcançou o covil da bruxa.

Mas não era de uma simples feiticeira que o Homem de Chapéu Negro estava atrás: a criatura que ele caçava era asquerosa, grande, embora andasse arqueada e com sua coluna fazendo quase noventa graus. Ela usava um tipo de magia desconhecida, atraindo as pessoas para próximo de seu covil, e uma vez que as alcançasse, arrancava seus olhos e fazia coleção deles, e comia outras partes do corpo. As vítimas preferidas dessas bruxas eram as grávidas e as crianças, e seus ossos virariam cálices e ferramentas de bruxaria espectral.

A única fonte de luz vinha da cintilante tocha mística que o Homem de Chapéu Negro carregava, uma chama que permitia a iluminação mesmo no caso de escuridões de origem profana; era uma lembrança que o fogo da vida existe mesmo naquele cenário horrendo. Pela última vez, ele checa seu rifle, um Bridesburg Model 1861, arma de tiro único mas confiável, precisa e carregada com sua bala de prata especialmente feita para atingir caças que são resistentes a tiros convencionais. Também confere suas Colt’s, munição para as mesmas e suas bombas alquímicas, previamente preparadas para diminuir o poder mágico da profanação prestes a combater.


Sua melhor arma, no entanto, era Aurora, um sabre finamente fabricado e com uma lâmina tão brilhante quanto à luz da lua, tão bem límpida que mal parecia que ela já tinha se sujado como sangue e vísceras de tantas criaturas profanas. Ninguém sabe o porquê da sua espada ser chamada assim, mas não havia também aquele com coragem para perguntar. O Homem do Chapéu Negro não respondia nada que não fosse relacionado a sua próxima caça ou recompensa, e todos tinham medo dele, onde quer que fosse, mesmo se fosse chamado para o pior dos casos.

Tudo perfeito, exceto por um detalhe: embora não carregue a petulância dos caçadores novatos, sua esperança de volta era diminuta. Influência da criatura? Talvez... Mas como caçador, e portador do Chapéu Negro, a esperança é algo que definitivamente não foi feita para ele, e sim para outros que dependem do sucesso da sua caça. É perda de tempo acreditar que ele possa sair vivo de qualquer missão, enfim; caçadores são feitos para isso, e de um jeito ou de outro, morrer pelas garras, presas ou feitiços, considerando ainda uma morte rápida, é o melhor destino que qualquer Homem de Chapéu Negro pode esperar.

Ele beija sua espada com toda a ternura possível, e salta em direção a parte baixa, onde há muito havia o curso de um vívido riacho hoje apenas lembra um fino curso de água fedorenta. Ele vai em direção ao caminho de entrada do velho moinho e quanto mais se aproxima da entrada, mais é possível escutar o estalar da madeira de dentro da construção, o gotejar da infiltração cair como tiques de relógio, assim como suas hélices que como em uma sobrevida tentam se mover.

Será uma longa noite...

24 de dez. de 2015

A culpa é da criança!

Enquanto ia para casa, no meu horário de almoço, passei por várias pessoas sendo que a maioria delas eram crianças. Apesar de estar um tanto quanto distraído, não pude deixar de ouvir de uma mãe a seguinte expressão (embora não sejam exatamente essas palavras, mantenho-me o mais fidedigno possível com o teor da mensagem):
"A gente vê umas barbaridades que acontecem com crianças, mas tem hora que eu mesma penso em fazer uma besteira. Criança deixa qualquer um doido! É umas coisas que acontecem que a gente acaba vendo que no fundo, algumas coisas têm motivo para ter acontecido."
Ora ora... Quer dizer então que a criança é culpada simplesmente... Por ser criança? É justificável espancar alguém — alguém com meros cinco ou seis anos de idade — simplesmente por ser desobediente? Aliás, essa tal desobediência, não deriva do fato dos pais, quase sempre, faltarem com noções básicas de respeito, imposição gradual de limites, ser a referência que norteia aquela "folha em branco" que toma forma dia após dia?


Não psicólogo nem pedagogo, apenas um observador às vezes irrelevante dos fatos que acabo vendo aqui e ali. Mesmo que essa mãe tenha dito o que disse apenas no calor do momento, eu ainda acho que isso é preocupante: se em um momento simples ela pensa essas coisas, será que numa dada situação crítica, ela realmente não poderia ter uma atitude inumana? Não é questão de exagero; as pessoas são imprevisíveis, e elas só se dão conta disso quando a situação realmente está crítica.

Mal da geração Y? Gradual incapacidade dos pais serem pais? É torcer para a coisa melhorar, senão...



5 de dez. de 2015

Bipolaridades cotidianas

Essa semana, eu estava indo para o trabalho quando eu vi uma moça, muito bonita por sinal, em trajes de academia (embora muito discretos) seguindo tranquilamente pela rua. Um rapaz passou de moto, e me surpreendeu a quantidade de "elogios" que fez à mulher; embora eu não tenha sido capaz de entender por conta do capacete que ele usava e da distância, claramente eu vi que de elogio não tinha nada. A moça meio que se fechou, e procurou nas músicas que ouvia uma distração qualquer para aquilo que ela tinha ouvido e e ignorar a tolice que o cidadão tinha lhe dito.

O rapaz, ao passar por mim, me olhou com uma cara claramente satisfeita (como se tivesse salvado alguém), mas como eu o encarei com desaprovação, ele mudou a expressão para algo do tipo "e daí, ela gosta disso". E foi embora.

Isso me deixou triste. Não é a primeira vez que isso deve ter acontecido com essa moça — nem com várias e várias outras mulheres, rotineiramente —, mas eu sempre me pergunto: esse cara gostaria que fizessem isso se fosse uma filha, irmã, namorada ou noiva dele? É tão difícil se colocar no lugar do outro? Melhor: é tão complexo ter respeito pelo outro?


Isso foi na terça, bem cedo. Durante a semana, vi isso se repetir de forma muito clara, apenas de métodos diferentes, em vários locais, movimentados ou não.

Desanimei da humanidade mais uma vez nessa hora.

***

Fui buscar uma cartinha de criança para apadrinhar nos Correios aqui da cidade, ontem, sexta-feira. Passei no trabalho de uns amigos meus, arrastei dois caras comigo fomos na agência dar uma olhada. O atendimento foi rápido:

— Bom dia. Gostaria de saber se preciso enfrentar fila para ver algumas cartinhas de crianças, para o Natal.


— Bom dia senhor. Precisar precisa sim, mas não há necessidade mais, porque todas já foram apadrinhadas.

O moço sorriu, satisfeito. Deu pra ver na expressão dele uma certa satisfação, como se estivesse fazendo parte de um projeto bacana e útil para todos. E como de fato era: como não se sensibilizar quando você pega uma cartinha e uma garota de sete anos pede pão com mortadela e coca-cola para ela e a irmã? Ou outra, de um rapazinho de seis, querendo carne com batatas? Ou ainda, uma menina de cinco, querendo ganhar arquinho de cabelo e esmalte, porque "não se sentia bonita como as coleguinhas"?

Fiquei surpreso, e feliz. Muito feliz.

Reapaixonei-me pela humanidade mais uma vez nessa hora.